Entre folhas ... A meio da noite ...

A meio da noite
Desvelas-te
E vês o meu rosto adormecido...

Com a tua boca sobre a minha frente,
Deixas,
Como ao descuido,
A tua mão sobre o meu peito,
Até que os nossos batidos compassam-se...

A meio da noite,
Hostil e escura,
Guardas-me,
Estremecendo-te a cada
Movimento que faço,
Até que,
Feminina e desvalida,
Ficas sonhando
Como um anjo cansado…

Pela manhã,
Tenho uma alegria,
Que me faz viver
Todo o dia,
Que me assiste
Sem saber a que se deve,
Ou por que nasce.

Beijos
J.

Entre folhas ... Ofuscações ...

Ofusquei o meu passado,
Com a íris dos teus olhos,
Molhado e escorregadio,
Caminhando pelas ruas…

A minha mão obstinada
Treme e fala
Escreve e sangra,
Cala o coração maldito
Que não tem quem
Te escute …

Não posso oferecer-te rosas
Nem aproximar-me do teu rosto
As tuas lembranças são longínquas
E estão muito ofuscadas.

A minha mão obstinada tem
Como mão a uma amada
Silenciando uma garganta.

Ofusquei o meu passado
Como a água que desliza pelas rochas
Chegaste e encontraste-me
Ofuscado e cansado
De viver tantas lembranças.

Beijos

J.

Entre folhas ... Insaciável ...

Adeus, em um só dizer…
A vida é isso.
E eu digo-te adeus, e continuo…
Voltar a amar é o castigo
Dos que amaram com excesso.

Amar e amar toda a vida,
E arder nesse lume.
E não saber por que se ama...
E não saber por que se esquece.

Apanhar as rosas uma a uma,
Beber um vinho e outro vinho,
E andar, e andar por um caminho
Que não conduz a parte nenhuma.

Procurar a luz que se eterniza,
Clara e duradoura,
E ao fim saber que em uma fogueira
O que mas dura é a cinza.

Sentir, mas seja em cada fonte
E ver mais sombra em cada abismo,
Neste amor que é sempre o mesmo,
Mas que sempre é diferente.

Porque no surdo desacordo
Do vivido e o suado,
Continua aceso no passado
O que se apaga na lembrança.

E nessa angústia que não é essa,
Que toca a alma e não a toca,
Beijar a sombra de outra boca
Na cada boca que se beija...

Beijos

J.

Entre folhas ... Entre todas ...

Entre todas,
Ela não foi a mais bela,
Mas deu-me o amor,
Mais sentido e longo…

Outras amaram-me,
No entanto,
Nenhuma quis como a ela…

Talvez, por a ter amado,
De longe,
Como uma estrela,
Desde a minha janela...

E a estrela que brilha,
Mais longínqua
Parece-nos,
A que tem mas reflexos...

Tive o seu amor,
Como uma coisa alheia,
Como um areal da praia,
Deserto,
Que unicamente,
Abraça a onda,
Humidade de sal sobre a areia…

Ela esteve em meus braços,
Sem ser minha,
Como a água de um cântaro,
Sedento,
Como um perfume que se foi,
No vento,
E que retorna no vento,
Todavia…

Penetro-me em si,
Insatisfeito,
Como um arado,
Sobre a planície,
Abrindo na sua fugaz investida
Esperança feliz da colheita...

Ela foi o próximo,
No remoto,
Mas enchia todo o vazio,
Como o vento,
Nas velas do navio,
Como a luz no espelho,
Partido…

Por isso,
Ainda penso na mulher,
Aquela,
A que me deu o amor,
Mais sentido e longo…

Nunca foi minha,
Não era a mas bela,
Outras me amaram,
Mas, e, no entanto,
Nenhuma quis como a ela.

Beijos
J.

Entre folhas ... Amantes de Junho ...

Amantes de Junho,
Maduros de lábios,
Fruto novo,
Transborda a água,
Dos meus olhos
Em sombra,
Por onde as estrelas
Calam no profundo…

A minha voz está a virar
O teu cesto de maçãs em júbilo,
Tacto da carícia,
Olha como renasce,
A erva nos meus dedos…

Ritmo em desordem
Que o coração urde,
Põe em fuga as aves do nu
Em que beba água cega do beijo,
Verbo mudo…

Amantes de Junho,
Enamoradamente descubro-te.

Beijos
J.

Entre folhas ... A um palmo do umbigo ...

Querendo cheirar o sangue
De algum dos teus ciclos,
Lambendo a ferida
Do circo da vida,
Sentimentos em segundo acto
Traçando piruetas ao destino
Passeando entre as sensatas
Vestindo-me de umbigo
Ao,
Fim se tudo é um teatro.

E sigo ainda,
Beijando esses lábios que cultivo
Ausentes não divinos
Girando entre o esquecimento,
O vivido,
Saboreando o néctar adormecido
De carícias inquietas,
O não merecido final para actores da vida…


No primeiro acto teve andamento
Antes que esse ciclo vital,
Deixasse manchas
Aqui ou mais lá.

É tanto confesso-o,
O que se pode chegar a amar
Que limpo pela ausência
Deixo as minhas armas,
As minhas amantes,
E os meus leitos,
Já me ponho a transitar
A um palmo do meu próprio umbigo
Julgando ser eu,
Pensando em ti,
Cheirando-te,
Lambendo a ferida
Despeço-me,
É cedo para esquecer...

Ao esquecimento.

Ainda tenho que cheirar o sangue dos teus ciclos,
A um palmo do teu umbigo.

Beijos

J.

Entre folhas ... A folha caduca ...

Tinhas a pele
Cheia de palavras,
A alma caída
Umas folhas caducas
Enfeitavam-te o corpo
E seguia escrevendo.

Perdeu não só
A noção do tempo
Também perdeu a vida,
Numa tentativa
De apanhar estrelas
E converter o seu coração
Num cúbito de gelo.

Tinha a vida cheia de vida,
E a vida levou-a
Num momento.

Triste.

Beijos
J.

Entre folhas ... Luas ...

Nem o candor do teu rosto,
Que revela,
Que o teu sensível coração dormita,
Nem teu mórbido seio que palpita,
Nem a tua inocente graça que consola…

Nem os teus brilhantes olhos de gazela,
Nem a tua boca de grana, que bendita
Onde um beijo parece que se agita,
Qual borboleta que vagar almeja…

Inspiram mais à alma apaixonada,
Pelos teus encantos celestiais,
Louca,
Já teu jogo faz tempo,
Encandeada,
Que esse lunar,
Que a tua adoração provoca,
Pequena, fugitiva e pincelada
Que o amor quis dar junto à tua boca!

Beijos
J.

Entre folhas ... Irradias ...

Irradias no meu visor,
Mexo as minhas mãos
Retorcem os ecos
Falamos de manhã
Pausadamente
Sem pressas,

Da mesma forma
E com o mesmo auge
Que as tuas mãos
Recolhem os ecos
Das minhas palavras.

Irradiam puros os sorrisos
Do teu rosto,
Não há manhã mais longa,
Que os ecos longínquos
Das tuas mãos.


Beijos
J.

Entre folhas ... Não te demores ...

Por que demoras,
Para chegar, minha amada
Fico alucinado só em te esperar,
Ansioso por roçar nos teus quentes seios...

Oh, malvada,
Que teimas em me castigar,
Quem tanto te quer e vive para te adorar,
Quem anseia por trocar beijos ardentes...

Nesta espera dolorosa,
Inebriante,
A cada minuto que perdemos,
É um instante
Que deixamos de gozar, profundamente...

Vem,
Amada,
Nos meus braços se render
Aos desejos que me fazem padecer
De angústia por querer o teu corpo quente...

Beijos
J.

Entre folhas ... Esses beijos ...

Dos teus lábios,
Recebo veneno lento
Que bebo a pouco
Respiro fundo.

Com esses beijos,
Que dás tão lentos
Estás a matar-me,
A passo lento.


Beijos
J.

Entre folhas ... A saudade sem rumo ...

Num porto desarmado,
Sem rumos nem fronteiras,
Navegam paixões…

Quando a noite cai,
Fica o destino,
O dia,
Desafia as tentações…

Assim estou eu,

Sem ti,
Sem rumo, à deriva,
Tão só,

Recordando-te.

Beijos
J.

Entre folhas ... Refúgios ...

Por vezes o silêncio excede-me,
Deve ser por o dia ter sido breve,
E os dissabores aparcam nas palavras,
Ao chegar a noite
Refugio-me nas palavras,
A voz silencia
O coração palpita
A minha pele se enrola
Quando esboças
Os teus sorrisos…

Penso-te,
Invoco-te,
E não apareces.

O silêncio excede
Às palavras
E sou feliz.

Não há refúgio da alma
Que possas esconder-te
Lágrimas para chorar-te
Nem dias para te consolar…

Beijos
J.

Entre folhas ... O verso abandonado ...

Um verso que se apaga,
De repente
A beleza reprimida,
Na alma
A manhã,
Delirante
Um novo dia…

Sorrisos que se apagam,
Nunca deviam se acender,
Estão quentes os corpos
Do último abraço consternado…

E de repente,
Um verso que nasce,
Um esboço,
Um sinal,
Novos laços, um abraço
Amanhece um novo olá
Em outros lábios,
Encaminho o voo…

Desconcerto,
Frio no corpo,
Assimilo um novo aroma
De outro corpo,
Escrevo,
O meu corpo nutre-se
Da última noite,
E penso-te.

Nunca devia esboçar esse poema,
Mas não me julguem a aparência
O desejo nutriu o meu corpo.

E de repente um verso solto,
Abandonado…

Beijos
J.

Entre folhas ... Antes de ser volátil ...

Cruzando o teu caminho,
Desnorteado com o teu corpo,
Amamentas estrelas fugazes,
Caminhas frondosa,
Pelo tapete da vida…

Antes de ser etérea, volátil
Dos teus lábios quis,
Umas palavras vãs…

Respirar do teu mesmo ar,
E escrever-te um poema de amor
Como ninguém,
O tinha feito antes,
De cinzas encoberto
Ainda que não o necessites…

Cruzando o teu corpo
Multiplicando a imagem
Da íris dos teus olhos
E antes de ser volátil…

Apareces-te nos meus sonhos,
E desperto com suores,
Respirando o mesmo ar…

Beijos
J.

Entre folhas ... Malvas e caminhos ...

Trepas muros altos da paixão,
Desenhas palavras de amor,
Iluminas a minha presença,
A tua cálida voz,
Indica-me o caminho dos teus olhos…

Eu conservo para ti malvas,
Lírios e rosas,

Traços e sinais,
À alva quando serena prende a manhã,
E no embaciado dos vidros debuxo
O teu nome,
Água marinha entre os dedos,
E nas mãos as chaves do amor
Que não têm murchado…

Artesã das palavras certas,
Vem e diz que me queres,
Cruzemos os campos,
Caminhemos juntos
E fujamos…

Vivo-te,
Entre malvas e caminhos...


Beijos
J.

Entre folhas ... A mulher cansada ...

Está por baixo,
Cansada de viver entre lembranças,
Passeando rua abaixo
Com os braços inquietos,
Precisa de uma esperança,
De vida…

Continuação de outro tempo,
Uma esperança de vento,
Um sopro de alento,
Longe da ira…

Do maltratado tempo,
Uma esperança viva,
Asas para se sentir livre,
Prazer,
Dominador este sentimento…

Gravado no espírito,
Leva lembranças
Que não quis apagar,
Olhar inquieto
E silencioso,
A sua alma,
Entrega-se ao vento,
E o vento,
Não sabe dela…

Caminha cansada
Pensando no seu passado,
E o seu futuro é incerto…

Beijos
J.

Entre folhas ... Não conseguir ...

Queria ser primavera,
Para encher os caminhos
De todas as cores,
Passear junto aos charcos
Olhar para o horizonte,
E ter os teus olhos junto aos meus…

Queria ser uma cheia,
Inundar-te o ouvido
O que sempre tenho querido...

Mas sou livre,
Como o vento
Navego contra as correntes,
Afasto-me e percorro
Outros caminhos.

Beijos
J.